sábado, 24 de março de 2012

MANIFESTO PELA SUSTENTABILIDADE DA RADIODIFUSÃO COMUNITÁRIA

A Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária (Abraço) conclama a sociedade brasileira para a defesa do fortalecimento das emissoras comunitárias, como veículos de acesso público e de promoção da cidadania, diversidade cultural e informações locais e plurais. Precisamos assim garantir a sustentabilidade das emissoras possibilitando o financiamento público, o incentivo à economia local, a alternância de canais e o aumento de potência. Para isso, a Abraço vem negociando com o Governo Federal a reforma de lei 9.612 e a publicação de decreto normativo que reverta a situação de marginalização que as rádios comunitárias estão submetidas num único canal, sem investimentos públicos e restritas poucos kilometros de atuação. Nosso diálogo com o Governo Federal para conquistar avanços já perdura quase uma década sem avanços. Em 2005, empenhados em apontar um caminho para dar fim estes dilemas vividos pelas comunidades, nos jogamos na construção de um relatório em um grupo de trabalho criado pelo então Ministro das Comunicações Eunício de Oliveira. Este relatório teria o objetivo de estruturar um decreto presidencial que recompunha o caráter público e comunitário das rádios comunitárias garantindo sua sustentabilidade, seu reconhecimento e o financiamento público que há muito já deveria ter sido consolidado como política pública na manutenção e avanço do setor público da comunicação no Brasil. Infelizmente nenhuma ação contida neste relatório foi encaminhada e até hoje aguardamos a publicação do decreto da liberdade que daria fim a criminalização. Sequer tivemos avanços no Congresso Nacional, pois nenhuma ação foi protagonizada pelo governo na intenção de alterar a restritiva lei 9612-98.
Da mesma forma nos atiramos na construção da 1ª Conferência Nacional de Comunicação que, com empenho de milhares de brasileiros, aprovou centenas de propostas que jamais foram implantadas ou encaminhadas no sentido de garantir o tão sonhado avanço da comunicação pública e comunitária, principalmente no que diz respeito às Rádios Comunitárias.
Contrariamente, fomos surpreendidos pela normativa 462, em outubro de 2011, que reforça a lógica excludente e restritiva imposta às comunidades que, além de outras coisas, retifica a restrição do serviço e ataca contundentemente a sustentabilidade das emissoras sem nenhuma contrapartida em direção ao financiamento público.
Convocamos a sociedade brasileira, os movimentos sociais, às organizações populares e as instituições a desencadearem um amplo movimento que de forma contundente restabeleça o caminho da democratização da comunicação, reivindicando a imediata descriminalização dos comunicadores comunitários, a revogação das multas impostas às rádios comunitárias, o desarquivamento de processos em tramitação no Ministério das Comunicações, o fim dos critérios restritivos da normativa 462, a resolução do choque de freqüências entre as emissoras e por fim na consolidação da política de financiamento público das rádios públicas e comunitárias.


Para tanto apontamos os próximos dias para realização de manifestações, atos públicos, caravanas e atividades que sensibilizem o governo a tomada de postura e a conseqüente atitude no atendimento das reivindicações histórias da sociedade brasileira e do movimento pela democratização da comunicação.


1 de março de 2012



Assembléia Geral da Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária – Abraço Nacional

quarta-feira, 7 de março de 2012

Novo Código Florestal deve anistiar 75% das multas milionárias


A aprovação do novo Código Florestal, prevista para esta semana, deve levar à suspensão de três em cada quatro multas acima de R$ 1 milhão impostas pelo Ibama por desmatamento ilegal, informa reportagem de Lúcio Vaz e João Carlos Magalhães, publicada na Folha desta segunda-feira (a íntegra está disponível para assinantes do jornal e do UOL, empresa controlada pelo Grupo Folha, que edita a Folha).
A Folha obteve a lista sigilosa e atualizada das 150 maiores multas do tipo expedidas pelo órgão ambiental e separou as 139 que superam R$ 1 milhão. Dessas, 103 (ou pouco menos que 75%) serão suspensas, se mantido na Câmara o texto do código aprovado no Senado. Depois, segue para a sanção da presidente Dilma Rousseff.

Pelo texto, serão perdoadas todas as multas aplicadas até 22 de julho de 2008, desde que seus responsáveis se cadastrem num programa de regularização ambiental. As punições aplicadas depois disso continuarão a valer.

Leia mais na edição da Folha desta segunda-feira, que já está nas bancas.

sábado, 3 de março de 2012

Agricultor desaparecido retorna a Altamira e conta que fugiu de homens armados

Sebastião estava colhendo cacau quando cerca de 20 tratores entraram na plantação, já derrubando as árvores. Ao se aproximar, percebeu que havia diversos homens armados à frente dos tratores.
Publicado em 02 de março de 2012
Por Xingu Vivo
O agricultor Sebastião Pereira, que desde segunda-feira, 27, estava desaparecido, voltou hoje à casa da família em Altamira. Ele passa bem. A propriedade de seu Sebastião, um dos vários produtores de cacau da Volta Grande do Xingu na região de Altamira, foi desapropriada pela Norte Energia em 2011 e incorporada à área do canteiro de obras da hidrelétrica de Belo Monte conhecido como Sitio Pimental. Apesar de ter destruído sua casa assim que foi decretada a desapropriação, a empresa ainda não pagou o valor da indenização à família.
De acordo com seu Sebastião – que, em função do não pagamento da terra e das lavouras, resolveu continuar trabalhando na área -, na última segunda, quando voltou à propriedade, ele foi impedido de entrar.
Depois de ter sido ameaçado por seguranças do canteiro, Sebastião decidiu atravessar a mata fechada e conseguiu chegar até a plantação de cacau, onde trabalhou até quarta-feira. Ele repete o diálogo que havia sido descrito a familiares, que foram a sua procura nesta quinta, por um funcionário não-identificado do consórcio, onde um dos seguranças teria dito a ele que ele sairia morto do lote, caso decidisse entrar.
Segundo Sebastião, neste dia, ele estava colhendo cacau, quando cerca de 20 tratores entraram na plantação, já derrubando as árvores. O agricultor ouvia os sons das máquinas, de longe. Ao se aproximar, percebeu que, na linha de frente dos tratores, havia diversos homens armados que Sebastião não conseguiu identificar se eram policiais fardados ou seguranças particulares. “Eles vieram pra cima de mim, os cabras armados, com os tratores atrás. Aí eu tive que correr. O que que eu ia fazer? Ia enfrentar aquele bocado de gente, pra me matarem lá dentro?”
Sebastião relata que fugiu dos homens armados e foi para a mata, onde se escondeu até que, na quinta-feira de noite, foi a pé até a Rodovia Transamazônica, onde pegou carona para Altamira. Chegou na cidade às duas horas da tarde de sexta, 2.
“Eu voltei escondido. Mas eu vou voltar pra lá. Derrubaram o cacau, então eu vou colher castanha. Eu vou viver é daquilo lá, não é de conversa fiada, enquanto não me indenizarem”, conclui.

Ameaçado de morte, agricultor não indenizado por Belo Monte está desaparecido

Sem notícias do pai desde segunda, 27 de fevereiro, as duas filhas visitaram a terra de Sebastião para procurá-lo. Não o encontraram, mas viram toda sua plantação de cacau destruída pelos tratores
Publicado em 01 de março de 2012
Por Xingu Vivo
O agricultor Sebastião Pereira, marido de Maria das Graças Militão, proprietária de dois lotes de terra que hoje pertencem à Norte Energia, localizados onde agora se constrói o canteiro de obras do Sítio Pimental da Usina Hidrelétrica Belo Monte, foi expropriado, não recebeu indenização, foi ameaçado de morte e está desaparecido desde segunda-feira, dia 27 de fevereiro.
O agricultor em sua casa, dois dias antes de desaparecer
Quem se lembra do seu Sebastião? Publicamos, em 2011, uma reportagem sobre como a Norte Energia havia tomado sua terra à força, sem ter pago indenização. Este episódio é parte fundamental da história.
Isso aconteceu em setembro passado. Sebastião ainda não recebeu o dinheiro que deveria ter sido pago pela empresa.
Sebastião, 67 anos, está desaparecido. É agricultor. Cultivava cacau, açaí, abacaxi, castanhas. Suas plantações foram destruídas pelas máquinas que constroem a Usina Hidrelétrica Belo Monte. Havia uma sentença judicial, baseada em um Decreto de Utilidade Pública (DUP) emitido pelo governo federal, que permitia a empresa a expropriá-lo, destruir sua casa e espoliá-lo, sem que recebesse a indenização.
Sebastião, no entanto, nunca saiu de sua terra. Tem uma personalidade forte e singular, e com ela construiu boa relação com os funcionários do consórcio – estes permitiam que ele transitasse por sua terra e utilizasse as estradas privatizadas dos canteiros, mesmo depois de ter sido expropriado. Conseguia todo tipo de carona – para ele e o escoamento da produção. Pura camaradagem e empatia. Enquanto isso, na cidade, sua esposa cuidava do processo judicial que reivindica a indenização e que pode levá-los a receber uma indenização menos injusta.
Estrada privativa por onde Sebastião acessava sua terra
Na cidade, sua esposa recebe, no dia 22 de fevereiro, um ultimato: a Justiça lhes dava 72 horas para desabitar definitivamente a terra. Foi por este motivo que, na segunda-feira, 27 de fevereiro, as coisas mudaram. Sem dar muita atenção ao recado do Estado de Direito, Sebastião foi de Altamira para seu sítio para cuidar do cacau nascente e tirar castanhas.
Contudo, os guardas do canteiro não permitiram que ele entrasse.
Sebastião foi ameaçado de morte.
Segundo relato de um funcionário da empresa à família de Sebastião, o agricultor teria dito aos guardas que ele entraria de qualquer jeito, e que enquanto não o pagassem, ele não deixaria a terra e continuaria trabalhando lá: “Vocês só derrubam o meu cacau se me matarem primeiro”. “Então é isso o que vai acontecer com você. Você vai morrer”, teria sido a resposta dos guardas. No impasse, Sebastião entrou pela mata, abrindo uma picada com o facão. Desde então, não foi mais visto.
Filha de 14 anos percorre cacaueiro cultivado pelo pai
Sebastião tem quatro filhos. Para que pudessem estudar, todos os filhos se mudaram para a cidade de Altamira (para financiar essas vidas, Sebastião continuava no campo). O mais velho viveu sem eletricidade os primeiros 16 anos de sua vida – hoje tem 21. O pequeno tem cinco. As duas meninas, 14 e 16 anos de idade, estiveram na quinta-feira, 1, no sítio, a procura do pai. Não o encontraram. Andaram cerca de oito quilômetros, aos gritos. Mergulharam as pernas nos igapós, cruzaram mata fechada e estradas abertas para a barragem. A única coisa com a qual se depararam foi toda a plantação de cacau da família destruída. Só o cacau. Para que Sebastião não colhesse e para que não trabalhasse. Foi isso que elas viram, escorregando em tabatinga e ouvindo ronronar de tratores, caminhões e explosões das rochas.
Em silêncio, seguranças e encarregados ouvem aos questionamentos da filha de Sebastião
As meninas então caminharam até encontrar uma guarita, na propriedade de um grande fazendeiro que ladeava a da família, onde hoje se encontra uma extensa terraplanagem. Os seguranças pediam a elas que se retirassem. Elas disseram não. E perguntaram sobre o pai, Sebastião, analfabeto, agricultor. “Eu só sei fazer trabalhar”, dirá ele todo o tempo, em qualquer conversa. Eles não sabiam de Sebastião. “Derrubamos o cacaueiro ontem”. E as botaram em uma picape até a picada que levaria à beira do rio, onde pegariam um barco até o Porto Seis, em Altamira, de onde seguiriam de taxi até a casa alugada onde vivem com a mãe e os irmãos, de onde depois sairiam para ir à delegacia prestar queixas do desaparecimento e da ameaça de morte do pai e marido.
As meninas choravam muito pisando o cacau caído, como gente grande. Em casa, o filhinho, 5, chorava muito como o menininho que era. A mãe vestia uma camisa do Sepultura, do filho mais velho, maquiagem borrada. E vão esperando Sebastião chegar.
Mas Sebastião, que nasceu em Alagoas, que mudou para São Paulo e para o Paraná e para o Mato Grosso e enfim para o Pará, onde afinal plantou o cacau que o dava de comer e ensinou a filha a tocar guitarra, ainda não veio.
Texto e fotos: Ruy Sposati