domingo, 13 de fevereiro de 2011

Entrevista: Raimunda Noronha, presidente do TJE

Nova presidente do Tribunal de Justiça do Pará desde o início de fevereiro, a desembargadora Raimunda Gomes Noronha, 66 anos, garante que a prioridade de sua administração será o jurisdicionado e que dará continuidade às mudanças iniciadas em gestões passadas. Há 32 anos na magistratura, ela, que também já exerceu a função de promotora de justiça por dois anos, defende as ações do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) na fiscalização e controle das funções dos magistrados e pessoalmente assume a polêmica defesa da redução da maioridade penal no Brasil - como forma de reduzir a criminalidade entre adolescentes. Confira a seguir a entrevista concedida ao DIÁRIO, na sede do TJE:

P: Que projetos serão implantados na sua administração?
R: Minha administração vai dar continuidade a uma ação iniciada nas gestões anteriores, principalmente do desembargador Milton Nobre, continuando nas gestões da desembargadora Bemerguy e Rômulo Nunes. O tribunal vem avançando consideravelmente em gestão para, no final, atingir satisfatoriamente o jurisdicionado, que é o mais importante para nós.

P: De que forma será melhorada essa assistência?
R: À medida que tenhamos disponibilidade financeira, temos que aumentar o número de juízes, de funcionários, instalar novas comarcas, pois o ideal é que cada sede de município seja uma comarca. Aliás, está disposto isso na Constituição do Estado do Pará.

P: Quantos municípios atualmente são sede de comarca?
R: Dos 143 municípios, e estamos em vésperas do 144º, ainda precisamos instalar 38 comarcas. À medida que tivermos disponibilidade financeira vamos instalar mais algumas comarcas, continuar o que vem sendo feito. Também devemos concluir a instalação do Projudi [processo judicial eletrônico] em todas as comarcas.

P: Qual o déficit de juízes estaduais atualmente no Pará?
R: Temos quatro juízes por cada cem mil habitantes. Está aquém da média nacional que é de quase seis juízes por cem mil habitantes. Embora o tribunal tenha realizado nos últimos anos vários concursos pra juiz nós não temos conseguido índice de aprovação total de vagas e temos ainda uma carência considerável. Já estamos iniciando outro processo seletivo para este ano. Para diminuir a carência, precisaríamos admitir mais cem juízes.

P: Em todo o período de discussão do orçamento do Estado na Assembleia Legislativa o Judiciário e o Ministério Público sempre tentam aumentar a sua cota com justificativa não só de custeio dos poderes, mas da necessidade de aumentar número de servidores. Como está a relação do tribunal com novo governo em relação ao repasse da verba orçamentária?
R: No governo anterior nós até conseguimos que houvesse um pequeno aumento de repasse. Acredito que no atual governo a relação com o Judiciário continuará sendo de harmonia e com certeza à medida das possibilidades do Executivo esse orçamento poderá crescer um pouco ou permanecer como está. Não acredito em redução.

P: Hoje, há proposta de reduzir o número de recursos para apelações nas ações judiciais...
R: Acho salutar. Um dos fatores determinantes da morosidade dos processos judiciais é justamente esse excesso de recursos previstos na legislação. O assunto é polêmico. O enxugamento é positivo e ajudará muito a tornar a justiça mais célere.

P: A população tem acompanhado o trabalho do Conselho Nacional de Justiça e temos constatado muitas críticas. Algumas de que o CNJ estaria extrapolando suas funções...
R: O CNJ é um órgão muito novo. E como em tudo que é instalado em pouco tempo, naturalmente podem ocorrer desvios. Mas em cada gestão a gente observa que o órgão vem se aperfeiçoando. Naturalmente, a tendência é corrigir essas possíveis distorções que já ocorreram. Inclusive, hoje temos no CNJ um presidente que é magistrado de carreira, um homem íntegro, responsável e acho que a intenção dele é proporcionar um conselho que colabore com os tribunais, que ajude a resolver seus problemas.

P: No próprio meio jurídico há entendimento que no Brasil há excesso de leis, inclusive, dificultando o trabalho da justiça...
R: Acho que os tribunais e o próprio CNJ vêm lutando pra aperfeiçoar o sistema judiciário brasileiro. Mas, realmente para um sistema célere é necessário mesmo uma reforma, que passa não pela redução dos recursos e também de certas formalidades que contribuem para que processos se tornem morosos.

P: Neste aspecto os processos eletrônicos são fundamentais para celeridade. Quantas comarcas já atuam com eles?
R: Vamos chegar a uma época em que o processo de papel vai desaparecer e vamos trabalhar só com processo judicial eletrônico. Hoje temos quase a totalidade dos juizados especiais, também na execução penal. A tendência é estender para o interior. Além disso temos também a videoconferência em Belém, Marabá e Santarém, em que o juiz faz o interrogatório com o jurisdicionado à distância. Isso reduz tempo e custo e dá mais segurança.

P: Há decisões da Justiça que, muitas vezes, repercutem mal perante à opinião pública, como foi o caso recente de um rapaz que matou oito pessoas, foi preso, mas deu entrevista em liberdade. As pessoas não compreendem porque isso ocorre...
R: O juiz aplica a lei. Se a lei me diz que determinado cidadão só pode ficar preso por determinado período, quando excede esse período o advogado dele vai solicitar a liberdade ao juiz. Ainda que o juiz negue, ele vai recorrer ao tribunal com habeas corpus. Admitindo-se que o tribunal negue, ele recorre ao Superior Tribunal de Justiça e lá ele vai ser liberado porque a lei determina que ele não pode ser preso provisório por tempo que ultrapasse o prazo previsto na lei. Acho que a sociedade precisa conhecer o Judiciário. O que gera essas críticas é a ignorância, o desconhecimento.

P: Nós sabemos que o Judiciário é um poder ainda muito fechado...
R: Olha, já foi. Eu diria que hoje em dia não é mais e está se aproximando da população. Há várias ações que demonstram isso. Não só na capital como no interior, temos juízes que desenvolvem ações que envolvem a comunidade. Inclusive, temos um projeto de justiça na escola, em que um juiz vai à escola e faz palestra, justamente para desde criança as pessoas irem tomando conhecimento de como funciona a Justiça. Além de outras ações de cidadania, emissão de documentos na praça em parceria com o Executivo, Ministério do Trabalho. Temos muitos colegas indo às comunidades distantes. Essa tendência vem crescendo. Antes se dizia que o poder judiciário era encastelado. Hoje saímos do castelo. Estamos indo ao povo.

P: Outra questão que acaba respigando no Judiciário é a que envolve infrações cometidas por menores de idade. Qual a sua opinião sobre a redução da maioridade penal?
R: Meu posicionamento pessoal é de deveria haver a redução da maioridade, talvez para 16 anos. Até porque já houve essa redução para o processo eleitoral. Hoje, o menor com 16 anos em condições de escolher os seus governantes, os seus representantes. Então, como eleitor ele é passível de se envolver em delito de natureza eleitoral. Eu pergunto: como fica a situação se ele é inimputável? Devemos considerar também a evolução. Hoje o menor de 16 anos já tem um entendimento diferente do que duas ou três décadas atrás.

P: Essa posição é polêmica.
R: Sei que essa questão envolve uma série de fatores sociais, familiares, políticas públicas, religião, tudo isso.

P: Um país que não cuida direito da sua infância e adolescência teria condições de reduzir essa maioridade penal?
R: Eu não diria que é só o poder público. Até da própria família. O poder público tem suas obrigações com a sociedade em geral, inclusive, com a infância, mas pessoalmente ainda acho que a responsabilidade maior é da família.

P: Em relação aos servidores, a senhora já disse que há previsão para concurso público para juiz e para a contratação de servidores...
R: Estamos acabando de convocar os últimos classificados no concurso anterior. Eram 18 que faltávamos chamar, já estão sendo convocados para admissão e este concurso tem cadastro de reserva que há possibilidade de prorrogação. Mas, a decisão não é da presidência, mas do Pleno do TJE. Naturalmente será submetido ao Pleno.

P: A deficiência maior é nas comarcas do interior?
R: Sim, mas temos também carência na capital. Mas, no interior ainda temos servidores dos municípios requisitados para as comarcas. Já avançou muito neste sentido. Hoje, temos comarcas distantes, como é o caso de Faro, na divisa com o Amazonas, com funcionários concursados. Estamos trabalhando para que esta deficiência seja cada vez menor.

P: A partir do diagnóstico elaborado pelo CNJ foram estabelecidas metas para os tribunais, inclusive, de julgamentos de processos e administrativas também. Quais são as metas que a sua administração precisa cumprir?
R: Temos 15 metas prioritárias, entre elas aquelas estabelecidas pelo CNJ. A principal meta de 2009 era de julgamento dos processos que eram de até 31 de dezembro de 2005. Essa meta foi cumprida em mais de 90%. Há apenas um pequeno resquício. Nas metas de 2010 o tribunal do Pará cumpriu com louvor.

P: De 2005 para cá já houve novo acúmulo de processo?
R: Em 2010 já nova meta para cumprir os julgamentos de 2006 e daqui por diante vamos continuar trabalhando para evitar novos acúmulos. Essa meta um incluía o julgamento do número de processos e mais alguns do acervo acumulado.

P: No governo passado chegou a haver pedido de intervenção no Pará em função de mandados de reintegração de terras, concedidos pela justiça e não cumpridos pelo Executivo. Como a senhora vai lidar com essa situação nesta nova administração?
R: Acho que esta questão já foi superada desde o governo anterior. Após aquele pedido de intervenção houve entendimento. Devemos entender que assim como o Judiciário tem suas dificuldades, naturalmente o Executivo também deve ter. Este mal-estar já foi superado e tenho certeza que o atual governo vai manter essa parceria para cumprir os mandados de reintegração de terras. (Diário do Pará)

Nenhum comentário:

Postar um comentário